Do período de campanha eleitoral até a posse, o presidente eleito usou e abusou no emprego do termo ideologia, compreendida como se fosse o grande mal a ser eliminado da sociedade nacional, como ressaltou o articulista do Estadão, Rodrigo Menegat, em matéria publicada naquele veículo de comunicação, no dia 5 de janeiro, inclusive acompanhada de uma análise com infográfico, que mediu o percentual de vezes que o vocábulo foi usado, superando, inclusive o termo Deus.
Marco Rodrigues de Almeida, articulista da Folha de São Paulo, dedicou artigo específico sobre os discursos de posse do presidente, em que Bolsonaro continuou o combate à ideologia. Na oportunidade convocou os congressistas para libertarem a Pátria da "submissão ideológica"; confessou que irá combater a "ideologia de gênero" e que o Brasil voltará a ser "um país livre de amarras ideológicas". Após receber a faixa presidencial, o presidente continuou afirmando que não se pode deixar que "ideologias nefastas venham dividir brasileiros. Ideologias que destroem nossos valores e tradições, destroem nossas famílias, alicerce da nossa sociedade". Sobrou para o comércio internacional, que também ficará livre do "viés ideológico", encerrando com a preocupação "da ideologização de nossas crianças", e que urge acabar com "a ideologia que defende bandidos e criminaliza policiais".
O presidente desconhece que seu discurso é essencialmente ideológico? Governar é fazer escolhas, movido por ideias, por ideologias. Não existe neutralidade. Todo processo educativo é um ato político, assim como toda militância política é também educadora, a questão fundamental é se ter clareza sobre "a favor de quem e do quê, portanto contra quem e contra o quê a atividade política é realizada", já anunciava Freire.
A ideologia transmutou-se em monstro, tipo Hidra de Lerna e o eleito em Hércules, que ao entronizar-se no novo cargo nomeou seus trabalhos (doze?): acabar com ideologias, que pode ser: fascista, comunista, democrática, capitalista, conservadora, anarquista, nacionalista, de gênero; política, cristã e tantas outras que existem por aí. O que o novo presidente esqueceu-se de referir, é que o programa "Escola Sem Partido", que pretende implantar, representa a sua ideologia, já anunciada: - acabar com a "doutrinação no ensino brasileiro".
Passamos por uma enorme confusão ou ignorância, até porque ideologia é qualquer narrativa ou discurso pragmático de salvação, de melhoria ou progresso de grupos ou sociedades. Um dos primeiros intelectuais a criticar a ideologia, foi Marx, que a designava como uma falsa realidade. Para Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute, da universidade King's College, o novo governo tem uma "ideologia de direita rígida, socialmente conservadora e economicamente liberal".
O "movimento escola sem partido" foi criado em 2004, pelo advogado Miguel Nagib e apoiado pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSC-RJ), que encomendou a Nagib o projeto de lei referente ao Programa Escola Sem Partido, apresentado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, em 13 de maio de 2014. Para legitimar a proposta, seu irmão, vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), também encomendou um projeto com o mesmo teor, só que destinado ao município. Na Câmara Federal tramitam projetos que propõem incluir na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Programa Escola Sem Partido (PL 867/2015), como também incluir entre os princípios do ensino o respeito às convicções de alunos, pais ou responsáveis (PL 1.411/2015). No Senado, tramita o PL 193/2016, Projeto Escola Sem Partido, apresentado pelo Senador Magno Malta (PR-ES). Sem qualquer base científica ou evidencia empírica que sustente tal proposta, o monstro da mordaça avança e fantasmas do comunismo e do socialismo ressurgiram das profundezas do inconsciente e estão às soltas, tomando de assalto as mentes de uma porção de gente que precisa, em primeiro lugar, se tratar, como previu Sérgio Brito, na canção "tá todo mundo louco"!